quarta-feira, maio 20, 2009

Como fazer arte no século XXI?


Tudo começou com um evento chamado OXOUZINE, apresentado por um professor da área de língua alemã de minha universidade. Com as luzes do anfiteatro apagadas, o professor falava um pouco sobre a vida e a obra de Marcel Duchamp, de seu jeito até um tanto tímido, bem contrastante com suas ideias ousadas no campo artístico. Conhecendo razoavelmente a figura que ali na frente se postava, eu tinha certeza de que a escuridão reinante no auditório seria quase o equivalente professoral à frase “Isto não é um cachimbo”! Pois bem, aquilo não era uma aula, era “OXOUZINE”, algo diferente, que incluía dança, música eletrônica e uma montagem com vídeo. Bem, foi nesse momento, com a apresentação da “banda de um homem só” PhantaSystem, de Jônatas Protes, e com a apresentação visual de Cris Rissatto, que me ocorreu uma coisa...

Como uma súbita revelação, uma epifania – se é que isso ainda está na moda –, acho que compreendi algo de nossa contemporaneidade. É provavelmente essa “nova” música eletrônica, tão certinha se comparada aos experimentos stockenhauseanos ou às dissonâncias schoenberguianas (embora este concebesse um sistema, no qual não existisse a dissonância). Talvez não seja mais a dissonância que expresse o nosso tempo. Mas sim a repetição. Ações automatizadas. Impessoais. Artificiais. Ou até desumanas! Não há mais o toque da carne sobre uma corda, ou o sopro que sai de dentro de si para soar através de um instrumento por toda uma sala e, quem sabe, atingir algo além dos ouvidos. É a expressão do ritmo das cidades grandes, com seus altos edifícios e suas janelas padronizadas. Um ritmo de concreto que se sobrepõe ao homem, ao mesmo tempo que mostra o seu poder de se erguer cada vez mais alto. Esse ritmo pode ser, talvez, um tanto monótono. Mas quanto nos atrai? Não excita algo de mais primitivo que convida todos os homens a uma mesma dança, em uma espécie de comunhão que procura, por um momento, suspender as artificialidades das relações cotidianas? Há, realmente, algo de paradoxal nisso tudo. A expressão de nosso tempo, não pode ser outra coisa senão paradoxal.

Exatamente uma semana depois fui assistir ao filme Eu não estou lá (I'm not there), a pseudo-biografia do cantor e compositor americano Bob Dylan. Não posso dizer que sou fã desse famoso músico, mas algo me chamou a atenção. Sua infância, do modo como foi retratado no filme, era a de um jovem com seu violão, do tipo que viaja por sua própria conta, algo entre o vagabundo e o respeitável. Desde cedo, bastante inteligente, o pequeno Bob falava da um mundo de viagens de trens, músicos ambulantes como ele etc. Até que um dia lhe dizem: “Hei, filho! Você está em 1959, fale sobre o seu próprio tempo!” O garoto aceita a ideia e dá início às suas canções de protesto, compostas sobre o ritmo popular, ou folk, talvez mantendo-se, em termos estritamente musicais, ainda sobre uma plataforma mais antiga. A essas canções, deram o nome de “canções com o dedo em riste”, ou seja, uma crítica, uma provocação. Posteriormente, o cantor abandona esse modo de fazer música e é, de certa forma, perseguido, como se agora o mundo não lhe interessasse, estivesse alienado.

Pois bem. Dois eventos, duas histórias e uma mesma questão? Como falar do seu próprio tempo? Ou contra ele? Essa questão me atingiu em cheio! Logo eu que recentemente havia escrito sobre o encantamento que me foi provocado ao ouvir músicas de Mozart tocadas ao clavicórdio?

Foi a questão do meu gosto que talvez me levou à maior perplexidade. A cada momento ressuscitando Bach, Weiss ou Quantz, realmente, senti-me desencaixado. Ou será que não? Não queria falar que os gênios são eternos ou algo assim; mas a fuga da repetição, do concreto, do padrão, do som artificial, enfim, a demonstração de desagrado com esse mundo não é também uma demonstração do que somos e de nosso tempo?

Termino esse texto sem respostas.

Um comentário:

elise pierre disse...

oi ândre

bem legal esse texto, acho que a gnt vive agora (e o futuro vai acirrar cada vez mais isso) uma forte tensão entre passado e presente, já que toda a tradição de arte é muito grande, complexa, de imensos e infinitos feitos que nunca mais vão poder ser repetidos com toda aquela força.

é impossível não se voltar à tradição para fazer arte, só os gregos poderiam fazer isso, vivendo num incrível e relaxante mundo sem passado ou futuro. Mesmo que arte fale só de seu tempo, esse tempo foi construído pela sobreposição e mistura dos elementos das épocas anteriores, que aparecem ali, mesmo inconscientemente. Falar de seu tempo é, de certa forma, o único meio "épico" de representação do coletivo/social possível - se é que eu entendi isso direito.

não tenha medo do presente que o passado está sempre nele.

beijos